08 junho 2007

Resposta às Dúvidas Levantadas por Egídio Vaz em Torno do Artigo "A Prática dos Nossos Tribunais" (Ilídio Macia)

Este artigo corresponde, na integra, ao comentário que fiz no "O quotidiano de Moçambique", blog de ilidio macia, em resposta as dúvidas colocadas por Egídio Vaz em relação ao artigo "A Prática dos Nossos Tribunais". Decidi compartilha-lo com os visitantes deste blog:

"O nosso grande amigo Egídio (com o qual nos deparamos nas grandes encruzilhadas da discussão do "social") colocou certas dúvidas que me impeliram de forma irresistível a escrever estas breves palavras na tentativa de trazer algum esclarecimento.

Ele pede o pronunciamento dos juristas relativamente a questão de saber se "está LIMINARMENTE PROIBIDO aos assistentes, declarantes e ou testemunhas vestirem-se de preto, para, ... distinguirem-se dos reclusos?

E, pergunta ainda o seguinte: "se um dia for à sala de audiências vestido da minha toga ou traje africano preto, o Juiz deverá obrigatoriamente confundir-me com um recluso que ainda não entrou na sala?"

A resposta que reservo à primeira primeira pergunta vale, mutatis mutandis, para a segunda.

Nestes termos, caro Egídio, não existe nenhuma proibição, pelo menos de carácter legal, quanto a possibilidade de as pessoas (assistentes, declarantes, testemunhas, e outros intervenientes processuais) se vestirem de preto. E, salvo raras excepções, não existirá o risco de o assistente, testemunha ou declarante, ser confundido com o Réu-preso, pois este vem escoltado da cadeia (ou esquadra), por polícias, até a sala de audiências do Tribunal.

No entanto, as dúvidas relativamente ao uso da roupa preta colocam-se, tal como o "GRANDE" Ilídio disse, quanto aos reús-presos... É que, sendo Moçambique um Estado de Direito, os direitos e obrigações, tem a sua fonte (como regra) na LEI. Se assim é, é importante então encontrar o fundamento legal para que os reús-presos (que, nos termos de um comando constitucional, continuam a gozar da presunção da inocência) tenham que necessariamente vestir-se de preto (aliás, uniforme prisional preto).

No meu entender, quando um réu é detido (porque há fortes indícios de que ele tenha cometido um crime) para, na qualidade de réu-preso responder ao processo, a única restrição que se lhe deveria aplicar é a da restrição da liberdade. Resevando-se, deste modo, ao próprio réu decidir, por exemplo, qual a roupa - bem como a sua cor - a vestir para o julgamento. Só assim fará sentido a afirmação de que, embora estejamos perante um réu-preso, ele continua gozando da presunção de inocência até decisão final condenatória ou absolutória.

Talvez seja importante uma análise comparativa entre a roupa que os réus-presos são "obrigados" (parece-me que é esse o termo que devo utilizar) a usar e a que os magistrados (judiciais e do Ministério Público) e advogados também usam durante as audiências judiciais.

Se repararem, os magistrados e os advogados vestem uma toga preta. Mas eles (onde, na qualidade de advogado, também me incluo) não vestem as referidas togas por vontade própria. Vestem-na porque os Estatutos dos Magistrados e da Ordem dos Advogados assim o exigem.

Ora, como se vê, existe um fundamento legal que obriga os Magistrados e os Advogados a vestirem as togas pretas. Se assim é, repito, é preciso encontrar igualmente o fundamento legal para os réus-presos serem "obrigados" a se vestir de preto (Talvez exista, mas desconheço).

Egídio, sob pena de a minha intervenção perder toda a aparência que um breve pronunciamento (a que inicialmente me propus) deve revestir, paro por aqui, na esperança de não ter criado mais complicações.

Até sempre.

Stayleir Marroquim"

07 junho 2007

"Moçambique penhora contratos de venda de energia" - in Jornal "Zambeze"

Na página 24 da edição do Jornal Zambeze do dia 7 de Junho de 2007 pode ler-se uma notícia com o seguinte título:
"PARA GARANTIR REEMBOLSO DA DÍVIDA DE REVERSÃO DA HCB
Moçambique penhora Contratos de Venda de Energia"

Devo confessar que esta notícia deixou-me alarmado. Com efeito, a minha preocupação resultou do emprego da expressão "...penhora...", por sinal, destacada em itálico.

No entanto, à meio da leitura da referida notícia, apercebi-me que, na verdade, o jornalista não pretendia se referir nem a penhora nem ao penhor, figura esta com a qual aquela tem-se prestado a confusões. Isto porque (sem querer repetir conteúdo da notícia), é lá referido que Moçambique procedeu a concessão dos contratos de venda de energia que a Hidroeléctica de Cahora Bassa (HCB) possuia com os seus clientes para um consórcio constituído pelo Banco Português de Investimentos (BPI) e uma empresa francesa denominada Calyon. E resulta ainda da referida notícia que este contrato foi celebrado para "garantir o reembolso do montante aplicado na reversão da HCB do Estado Português para o Moçambicano".

Ora, se assim é, então não corresponde a verdade que Moçambique tenha procedido a PENHORA dos contratos de venda de energia, muito menos, como também se poderia supor, ao penhor.

Na verdade, temos aqui duas relações distintas: (i) Uma que se estabeleceu entre o Moçambique e Portugal, no âmbito da reversão da HCB para o Estado Moçambicano, e (ii) outra que se estabeleceu entre Moçambique e o Consórcio constituído entre o BPI e a empresa Calyon.

E, o que Moçambique fez (salvo opinião contrária) foi proceder a concessão dos contratos de venda de energia de que era titular para possibilitar a arrecadação de receitas para o pagamento da dívida que ainda tem para com o Estado Português, no âmbito do acordo de reversão da HCB.

Se o entedimento correcto for esse, então, uma vez mais, não há aqui lugar a penhora, nem mesmo ao penhor (com o qual se poderia confundir).

Analise-mos pois, de forma sucinta, o significado da penhora e, igualmente (embora não apareça mencionada na notícia) do penhor.
1. Penhora

A penhora, é um um acto judicial (portanto, praticado pelos Tribunais) que consiste na apreensão dos bens do executado (devedor), para, com o produto da sua venda (que é feita em hasta pública, se proceder ao pagamento ao exequente (credor). Está noção não só resulta do Código de Processo Civil como também dos Dicionários da Língua Portuguesa (que presumo estarem ao alcance dos nossos tão queridos jornalistas, responsáveis pela divulgação da informação).


2. Penhor

Diferentemente da penhora, existe a figura do penhor (que em brincadeira tem-se dito ser o marido da penhora). Esta figura (penhor) representa sim uma garantia do cumprimento de uma obrigação. Se quisermos ser mais precisos, penhor é uma garantia real (porque incide sobre uma determinada coisa) de uma dívida, que se constitui pela entrega ao credor, pelo devedor ou por um terceiro, de uma coisa móvel (e não imóvel, porque senão seria hipoteca) que fica a garantir o cumprimento da obrigação, ou ainda, se quisermos ser menos legalistas, é um coisa móvel que se dá como garantia de uma obrigação ou dívida.

Como se vê, o conteúdo da notícia (mas não o seu título) não nos sugere nem a penhora nem mesmo o penhor.

Em relação à penhora parece-me claro que não houve intervenção dos Tribunais (condito sine qua non para a sua existência) no sentido de aprrender determinados bens (nesse caso contratos de venda de energia) para com o produto da sua venda se pagar a dívida do credor.

Já em relação ao penhor, parece-me igualmente claro que a concessão dos contratos de venda de energia não foram à favor do Estado Português, credor de Moçambique no contrato de reversão da HCB.

No entanto, resulta claramente do conteúdo da notícia que Moçambique celebrou estes contratos de concessão dos contrato de venda de energia para garantir a arrecadação de receitas por forma a solver a dívida contraída aquando da reversão da HCB.

Se esse pensamento for aceite, então gostaria de chamar a atenção ao autor da referida notícia bem como ao Editor do mesmo Jornal para prestarem mais atenção no emprego de determinadas expressões, princípalmente quando elas vêem inseridas nos títulos dos artigos, pois podem induzir o leitor em erro. É que para o caso sub judice, não era sequer necessário consultar um jurista; bastava simplesmente consultar um Dicionário da Língua Portuguesa.

Em todo o caso, e de uma forma geral, não posso deixar de parabenizar este Jornal (Zambeze) pelo esforço que tem feito na divulgação da informação neste vasto território. E, como como se tem dito (e até já ouvi o Presidente Guebuza a utilizar a mesma frase),...

"SÓ NÃO COMETE ERROS QUEM NADA FAZ".

Por um jornalismo melhor,

Até breve.
SM

04 junho 2007

O valor do silêncio

Há, entre nós , um velho ditado popular que diz:
"quem cala consente" (qui tacet consentire videtur).
Ora, terá este ditado algum valor jurídico?
Antes de responder a esta pergunta, convém distinguir o silêncio da declaração tácita, que é aquela que se deduz de factos que, com toda a probalidade, a revelam (parte final do nr. 1 do art. 217 do Código Civil, adiante designado C.C.). Por exemplo, se um determinado contrato de arrendamento tem o seu termo previsto para o dia 1 de Julho de 2007 e o arrendatário procede ao pagamento antecipado das rendas dos meses de Agosto, Septembro e Outubro, este comportamento traduz uma declaração tácita de prorrogação do contrato de arrendamento (pelo menos por mais três meses). Se uma determinada pessoa, depois de perguntar ao taxista qual o preço que ele cobra para o transportar da Polana para Malhangalene, simplemsmente entrar para o Táxi, então este comportamento pode ser interpretado como uma declaração tácita de aceitação do preço cobrado pelo taxista.
Já o silêncio traduz uma total omissão por parte do declarante, onde este "nada diz" e "nada faz". Com efeito, nos termos da lei moçambicana, o silêncio não tem, como regra, valor jurídico, ou seja, não o interpretamos nem como aceitação muito menos como negação. É o que resulta da interpretação a contrario sensu do art. 218 do C.C.. Porém, a lei admite que em determinadas situações possa ser atribuído determinado valor (ou sentido) ao silêncio. Assim ocorre quando esse valor (ou sentido) lhe seja atribuído pela própria lei, uso ou convenção.
Assim, é importante ter sempre presente que aquele ditado popular que estabelece que "quem cala consente" está desprovido de qualquer efeito jurídico, pois, como regra, o silêncio não tem valor.
Stayleir Marroquim