07 junho 2007

"Moçambique penhora contratos de venda de energia" - in Jornal "Zambeze"

Na página 24 da edição do Jornal Zambeze do dia 7 de Junho de 2007 pode ler-se uma notícia com o seguinte título:
"PARA GARANTIR REEMBOLSO DA DÍVIDA DE REVERSÃO DA HCB
Moçambique penhora Contratos de Venda de Energia"

Devo confessar que esta notícia deixou-me alarmado. Com efeito, a minha preocupação resultou do emprego da expressão "...penhora...", por sinal, destacada em itálico.

No entanto, à meio da leitura da referida notícia, apercebi-me que, na verdade, o jornalista não pretendia se referir nem a penhora nem ao penhor, figura esta com a qual aquela tem-se prestado a confusões. Isto porque (sem querer repetir conteúdo da notícia), é lá referido que Moçambique procedeu a concessão dos contratos de venda de energia que a Hidroeléctica de Cahora Bassa (HCB) possuia com os seus clientes para um consórcio constituído pelo Banco Português de Investimentos (BPI) e uma empresa francesa denominada Calyon. E resulta ainda da referida notícia que este contrato foi celebrado para "garantir o reembolso do montante aplicado na reversão da HCB do Estado Português para o Moçambicano".

Ora, se assim é, então não corresponde a verdade que Moçambique tenha procedido a PENHORA dos contratos de venda de energia, muito menos, como também se poderia supor, ao penhor.

Na verdade, temos aqui duas relações distintas: (i) Uma que se estabeleceu entre o Moçambique e Portugal, no âmbito da reversão da HCB para o Estado Moçambicano, e (ii) outra que se estabeleceu entre Moçambique e o Consórcio constituído entre o BPI e a empresa Calyon.

E, o que Moçambique fez (salvo opinião contrária) foi proceder a concessão dos contratos de venda de energia de que era titular para possibilitar a arrecadação de receitas para o pagamento da dívida que ainda tem para com o Estado Português, no âmbito do acordo de reversão da HCB.

Se o entedimento correcto for esse, então, uma vez mais, não há aqui lugar a penhora, nem mesmo ao penhor (com o qual se poderia confundir).

Analise-mos pois, de forma sucinta, o significado da penhora e, igualmente (embora não apareça mencionada na notícia) do penhor.
1. Penhora

A penhora, é um um acto judicial (portanto, praticado pelos Tribunais) que consiste na apreensão dos bens do executado (devedor), para, com o produto da sua venda (que é feita em hasta pública, se proceder ao pagamento ao exequente (credor). Está noção não só resulta do Código de Processo Civil como também dos Dicionários da Língua Portuguesa (que presumo estarem ao alcance dos nossos tão queridos jornalistas, responsáveis pela divulgação da informação).


2. Penhor

Diferentemente da penhora, existe a figura do penhor (que em brincadeira tem-se dito ser o marido da penhora). Esta figura (penhor) representa sim uma garantia do cumprimento de uma obrigação. Se quisermos ser mais precisos, penhor é uma garantia real (porque incide sobre uma determinada coisa) de uma dívida, que se constitui pela entrega ao credor, pelo devedor ou por um terceiro, de uma coisa móvel (e não imóvel, porque senão seria hipoteca) que fica a garantir o cumprimento da obrigação, ou ainda, se quisermos ser menos legalistas, é um coisa móvel que se dá como garantia de uma obrigação ou dívida.

Como se vê, o conteúdo da notícia (mas não o seu título) não nos sugere nem a penhora nem mesmo o penhor.

Em relação à penhora parece-me claro que não houve intervenção dos Tribunais (condito sine qua non para a sua existência) no sentido de aprrender determinados bens (nesse caso contratos de venda de energia) para com o produto da sua venda se pagar a dívida do credor.

Já em relação ao penhor, parece-me igualmente claro que a concessão dos contratos de venda de energia não foram à favor do Estado Português, credor de Moçambique no contrato de reversão da HCB.

No entanto, resulta claramente do conteúdo da notícia que Moçambique celebrou estes contratos de concessão dos contrato de venda de energia para garantir a arrecadação de receitas por forma a solver a dívida contraída aquando da reversão da HCB.

Se esse pensamento for aceite, então gostaria de chamar a atenção ao autor da referida notícia bem como ao Editor do mesmo Jornal para prestarem mais atenção no emprego de determinadas expressões, princípalmente quando elas vêem inseridas nos títulos dos artigos, pois podem induzir o leitor em erro. É que para o caso sub judice, não era sequer necessário consultar um jurista; bastava simplesmente consultar um Dicionário da Língua Portuguesa.

Em todo o caso, e de uma forma geral, não posso deixar de parabenizar este Jornal (Zambeze) pelo esforço que tem feito na divulgação da informação neste vasto território. E, como como se tem dito (e até já ouvi o Presidente Guebuza a utilizar a mesma frase),...

"SÓ NÃO COMETE ERROS QUEM NADA FAZ".

Por um jornalismo melhor,

Até breve.
SM

6 comentários:

Egidio Vaz disse...

Puxa Styler, que grande consultoria! E ainda por cima, feita gratuitamente. Os tipos deviam lhe agradecer (lavando a sua mão, claro, que já transpirou bastante).
E, se quiséssemos ser maldosos, essa notícia seria matéria para um processo-crime, não acha? Pois, o Governo viria dizer o seguinte: nós em momento algum penhorados contratos de venda. Prove-nos. Mas aí eles viriam e gritavam...estão a nos silenciar!!!!!
Acho que há algumas disciplinas que faltam em determinados cursos: No jornalismo, falta-nos de certeza as do direito, nas suas mais variadas vertentes.
Falta também paciência e muita investigação aos jornalistas. Em td caso, mais serviço público que vc prestou. E de graça!

stayleir marroquim disse...

Obrigado Egídio.

Não podemos nunca assistir impávidos e serenos ao naufrágio de um barco.

Temos que ajudar os nossos jornalistas... mas claro que concordo contigo no que diz respeito a responsabilização...um artigo nunca deveria ser publicado num jornal sem que antes tivesse passado por um filtro reservado à sua revisão...

Mas sabes, de uma forma geral, parece-me que a função social dos jornalistas (informar) tem sido largamente absorvida pela busca do lucro... exemplo disso é o que se assiste na saída nos nossos semanários de maior expressão... por exemplo, na quarta-feira é possível comprar um jornal que deveria sair ao público na quita-feira (aliás, até na própria capa vem inscrita a data do dia seguinte, neste caso, quinta-feira)...qual a motivação que estará por detrás deste comportamento??????? Parece-me que é o lucro...

Agora resta saber se estes são os passos que deverão ser dados rumo ao profissionalismo do JORNALISMO!!!!!!

Abraço.
SM

ilídio macia disse...

Um grande serviço este que estás a prestar, caro sm.

stayleir marroquim disse...

Thanks Macia.
SM

Egidio Vaz disse...

Parece que estamos todos aqui! e, A PROPOSITO, porque cargas de água as instituições de legalidade não agem com vista a parar essa busca"ilegal" pelo lucro. Pois, é ilegal porque se o semanário está licenciado para sair ás quartas feiras, e sai ás terças, mesmo sendo tarde, este jornal, dizia, está a "sentar" por cima da lei.
Qual seria a autoridade responsável pera interpelar tais ilegalidades?

stayleir marroquim disse...

Sinceramente não sei porque é que o Estado ainda não reagiu. E, pelo que sei, este trabalho é reservado aos inspectores do Ministério da Indústria e Comércio.
SM